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“Ressurge a democracia!”, dizia o título de um editorial na capa do jornal O Globo em 4 de abril de 1964, após a deposição do então presidente João Goulart se consolidar. Quase cinco décadas depois, o erro histórico daquela avaliação foi admitido até pelo veículo da família Marinho, que apoiou o regime militar enquanto ele durou.
A História permite que aquilo que apontamos como verdadeiro possa se revelar falso a qualquer momento. A morte de João Goulart, por exemplo, teve como causa oficial um ataque cardíaco, mas há quem sustente ainda hoje a tese de que ele foi assassinado. É menos sobre essa dúvida, e mais sobre a necessidade de esse questionamento existir que trata Dossiê Jango, novo filme de Paulo Henrique Fontenelle (de Loki – Arnaldo Baptista).
Utilizando uma forma burocrática (basicamente entrevistas e imagens de apoio), mas eficiente para a sua proposta, o documentário gasta um bom tempo para contextualizar o período histórico tratado, começando pelas eleições de Jango como vice de JK e Jânio Quadros, passando pela conturbada posse após a renúncia desse último, e culminando na instabilidade política que resultou em um golpe apoiado por parcela significativa da população, da mídia e do empresariado.
Desse segmento, a parte mais interessante trata do medo que os EUA demonstravam em relação às tendências esquerdistas do governo brasileiro. Trechos de conversas dos presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson, e até mesmo programas de televisão americanos da época, atestam a importância estratégica atribuída ao Brasil na América Latina. Isso resultaria em apoio político à deposição de João Goulart, com o oferecimento de suporte bélico incluído no pacote.
Quando se volta ao seu foco principal, o filme é hábil ao transformar uma aparente coincidência proveniente da proximidade entre os falecimentos do ex-presidente, de Carlos Lacerda e de Juscelino Kubitschek em uma real dúvida sobre as causas da morte de João Goulart.
As ações conjuntas de ditaduras sul-americanas na morte de políticos, a riqueza de detalhes nos depoimentos coletados pela produção, a ausência de autópsia no corpo de João Goulart e, sobretudo, o forte relato de uma testemunha-chave são elementos que, se não levam a uma conclusão definitiva, ao menos levantam a necessidade de uma nova investigação sobre o caso, fato que se tornou realidade após a finalização do filme.
Uma ressalva que pode ser feita ao documentário é a centralização do grupo que refuta a possibilidade de assassinato de João Goulart em apenas um entrevistado, o historiador Moniz Bandeira. Como todos as outras pessoas ouvidas apresentam dúvidas sobre essa questão, a credibilidade da opinião de Bandeira é abalada antes mesmo de ele entrar em cena, ainda mais depois que ele é rotulado como “historiador oficial” por um outro depoente. Fica parecendo que ele é voz isolada na defesa da sua versão histórica, fato que sabemos não ser verdade.
A intenção do diretor talvez tenha sido de demonstrar alguma imparcialidade jornalística, ouvindo os dois lados da questão, mas o resultado acaba sendo uma disputa desigual entre duas teses distintas. Melhor seria se o documentário desse voz a mais pessoas que compartilham das convicções de Bandeira, ou se, por outro lado, assumisse de vez a sua visão dos fatos – já que não se trata de obra jornalística – e se ativesse apenas aos outros depoimentos.
Apesar desse problema, Dossiê Jango é um documentário relevante que, através de um fato específico, acaba chamando atenção para um período da história brasileira que ainda tem muitos fatos a serem esclarecidos. Afinal de contas, o conhecimento de erros históricos é a melhor maneira para evitar que eles se repitam no futuro.
Nota: 7,0/10