Top 10: Melhores filmes do 1º semestre de 2015 (no circuito e em festivais)

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Melhores filmes lançados no circuito comercial brasileiro no primeiro semestre de 2015

10 – Winter Sleep, de Nuri Bilge Ceylan

A palavra oprime.

 

9 – Casa Grande, de Fellipe Barbosa (leia entrevista com o diretor no Cine Festivais)

Maturidade rara para um diretor estreante.

 

8 – Dois Dias, Uma Noite, de Jean-Pierre e Luc Dardenne

Falar que não é o melhor dos Dardenne também é um elogio.

 

7 – Depois da Chuva, de Cláudio Marques e Marília Hughes (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

A gênese de Sarneys e Cunhas.

 

6 – O Pequeno Quinquin, de Bruno Dumont

Dissecação da maldade pela via do bizarro.

 

5 – Timbuktu, de Abderrahmane Sissako

O Cinema contra a barbárie.

 

4 – Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência, de Roy Andersson (leia textos sobre o filme no Cine Festivais e no Opera Mundi)

Através do patético, Andersson nos tira da inércia existencial mais uma vez.

 

3 – Mad Max: Estrada da Fúria, de George Miller

Aula de ação para Michael Bay e afins.

 

2 – Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós (leia textos sobre o filme no Cine Festivais aqui e aqui)

Adirley é o acontecimento mais interessante do cinema brasileiro em muitos anos.

 

1 – Sniper Americano, de Clint Eastwood (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

Estudo ambíguo e inspirado sobre o militarismo norte-americano.

 

Melhores filmes vistos pela primeira vez em festivais em 2015 (longas inéditos no circuito comercial)

10 – I Am The People, de Anna Roussillon (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

9 – O Animal Sonhado, de Breno Baptista, Luciana Vieira, Rodrigo Fernandes, Samuel Brasileiro, Ticiana Augusto Lima e Victor Costa Lopes (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

8 – As Fábulas Negras, de Rodrigo Aragão, Joel Caetano, José Mojica Marins e Peter Baierstorf (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

7 – Rabo de Peixe, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

6 – A Paixão de JL, de Carlos Nader (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

5 – Retratos de Identificação, de Anita Leandro

4 – A Misteriosa Morte de Pérola, de Guto Parente

3 – Koza, de Ivan Ostrochovský (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

2 – Mais do que Eu Possa Me Reconhecer, de Allan Ribeiro (leia texto sobre o filme no Cine Festivais)

1 – Orestes, de Rodrigo Siqueira (leia entrevista com o diretor no Cine Festivais)

Top 10: Melhores filmes de 2014

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Com o ano de 2014 perto do fim, é chegado o momento de olhar para trás e analisar tudo o que passou pelos cinemas brasileiros nos últimos doze meses. Para escolher as produções que mais se destacaram nesse período, preferi me ater apenas a filmes que chegaram ao circuito comercial nacional. Assim, trabalhos de grande força, como Branco Sai. Preto Fica, de Adirley Queirós, e Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência, de Roy Andersson, que brigariam pelas primeiras posições, não puderam ser relacionados. Vamos à lista:

 

10 – Oslo, 31 de Agosto, de Joachim Trier

A inadequação de um homem diante do mundo.

 

9 – O Gebo e a Sombra, de Manoel de Oliveira

Aula de direção e um comentário bem pertinente em tempos de crise na Europa.

 

8 – Boyhood – Da Infância à Juventude, de Richard Linklater

Depois da trilogia do Antes, Linklater segue obcecado pelo tempo.

 

7 – O Grande Hotel Budapeste, de Wes Anderson

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As peculiaridades formais de Anderson combinam perfeitamente com esse delicioso filme de aventura.

 

6 – Praia do Futuro, de Karim Aïnouz (leia crítica sobre o filme)

Filme frio? Que nada! “Visceral” o define melhor.

 

5 – Ida, de Pawel Pawlikowski

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A pequenez do indivíduo diante da História.

 

4 – Cortinas Fechadas, de Jafar Panahi e Kambuzia Partovi

Panahi resiste, a Arte agradece.

 

3 – Cães Errantes, de Tsai Ming-Liang

A vida (e o Cinema) no limite.

 

2 – O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese (leia crítica sobre o filme)

Wall Street como um zoológico da ostentação.

 

1 – Era Uma Vez em Nova York, de James Gray

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Cinema clássico dos melhores, sem maniqueísmos, com uma dupla de atores em estado de graça e um plano final assombroso.

 

Menções Honrosas (filmes que não estão na lista, mas também se destacaram):

11 – Ela, de Spike Jonze

12 – Inside Llewyn Davis, de Joel e Ethan Coen (leia crítica sobre o filme)

13 – Amar, Beber e Cantar, de Alain Resnais

14 – O Menino e o Mundo, de Alê Abreu

15 – O Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra (leia crítica sobre o filme)

16 – Os Anos Felizes, de Daniele Luccheti

17 – Bem-vindo a Nova York, de Abel Ferrara

18 – Debi & Lóide 2, de Bobby e Peter Farrelly

19 – Relatos Selvagens, de Damián Szifrón (leia crítica sobre o filme)

20 – Garota Exemplar, de David Fincher

Top 10: Filmes do 1º Semestre de 2014

Graças ao trabalho com o Cine Festivais – site jornalístico voltado para a cobertura de mostras, festivais e premiações de cinema -, este blogueiro andou sumido durante boa parte deste semestre. Intentando voltar a publicar mais textos aqui durante os próximos meses, listo abaixo os meus filmes favoritos dos primeiros seis meses de 2014. São elegíveis todos os filmes lançados comercialmente no Brasil nesse período.

10 – O Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra (leia crítica sobre o filme)

 

9 – O Menino e o Mundo, de Alê Abreu (leia entrevista com o diretor)

 

8 – Inside Llewyn Davis, de Joel e Ethan Coen (leia crítica sobre o filme)

 

7 – Ela, de Spike Jonze

 

6 – Oslo, 31 de Agosto, de Joachim Trier

 

5 – O Gebo e a Sombra, de Manoel de Oliveira

 

4 – Praia do Futuro, de Karim Aïnouz (leia crítica sobre o filme)

 

3 – Cortinas Fechadas, de Jafar Panahi e Kambuzia Partovi

 

2 – Cães Errantes, de Tsai Ming-Liang

 

1 – O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese (leia crítica sobre o filme)

 

Menções Honrosas: Um Episódio na Vida de Um Catador de Ferro-Velho, de Denis Tanovic; Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro; Pais e Filhos, de Hirokazu Kore-Eda; Instinto Materno, de Calin Peter Netzer; Nebraska, de Alexander Payne; Vidas ao Vento, de Hayao Miyazaki; Os Anos Felizes, de Daniele Luccheti; Quando Eu Era Vivo, de Marco Dutra; Riocorrente, de Paulo Sacramento; e Frozen, de Chris Buck e Jennifer Lee.

Crítica: Vidas ao Vento

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Exibido na última Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme A Mulher que Amou o Vento, de Ana Moravi, buscava fazer uma reflexão lírica a respeito do vento, elemento invisível e misterioso capaz de provocar diversas leituras metafóricas a seu respeito. Embora seja uma obra completamente diferente da de Moravi, sem o viés experimental, a animação japonesa Vidas ao Vento, de Hayao Miyazaki, também transforma o vento em uma espécie de personagem de sua história.

Nesse filme, que foi anunciado como o último de Miyazaki, acompanhamos a história de Jiro Horikoshi desde a sua infância, quando ele já sentia fascínio por aviões e pretendia se tornar um piloto, até a fase adulta, quando a miopia o impediu de dirigir e ele acabou se tornando um conceituado designer de aeronaves no período entreguerras. Embora trate de um personagem real, a obra não tem a pretensão de dar conta de todos os acontecimentos da vida do protagonista; a intenção aqui é a de falar sobre temas universais (ambição, criatividade, persistência, amor) que permeiam a trajetória do protagonista.

A frase de um poema do francês Paul Valéry que abre o filme – e é repetida algumas vezes ao longo da projeção – pontua bem a intenção de Miyazaki: “o vento se ergue, devemos tentar viver”. Na história de Jiro o vento surge como uma força invisível positiva, aquela que impulsiona a criatividade e a ambição artística do personagem e que o leva em diferentes momentos a encontrar Naoko, que viria a se tornar a sua esposa. Por outro lado, o mesmo vento adquire um sentido negativo quando ajuda a espalhar o fogo após um grande terremoto em Tóquio, quando desafia Jiro a construir aviões que se adaptem à sua imprevisibilidade e quando espalha uma doença que pode ser mortal.

Em um cenário de pobreza, o Japão retratado no filme vive o velho dilema provocado pelo choque entre tradição e modernidade. A escolha recorrente de um único prato durante os almoços de Jiro remete a um apego ao antigo que vai sendo soterrado aos poucos pelo novo – algo que Yasujiro Ozu retratou brilhantemente em seu Era Uma Vez em Tóquio, atualmente em cartaz em São Paulo.

Acontece que, ao levar adiante esse desejo inerente ao Homem de superar os seus próprios limites, o protagonista perde o controle sobre as suas invenções, que posteriormente seriam usadas na Segunda Guerra Mundial. A busca pela modernização do Japão passava, naquele momento, pela indústria bélica.

Miyazaki não elimina por completo o horror da guerra de seu filme: o tema circunda a história, seja em um estranho acontecimento ocorrido na Alemanha nazista ou no iminente uso militar dos aviões no conflito que está por vir.

O diretor tem ciência das limitações e das falhas do ser humano, mas isso não o impede de ver poesia nas pequenas coisas, em tudo aquilo que nos impele a seguir em frente.

Nota: 7,5/10 

*Texto originalmente publicado no site Cine Festivais

Crítica: Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum

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Llewyn Davis (Oscar Isaac, em grande atuação) é um personagem que sofre por não se adequar, nos mais variados aspectos, ao mundo em que vive. O seu talento musical é incompreendido, mas ele não deseja que a essência da sua arte seja modificada; as suas relações sociais lhe garantem um teto para dormir, mas ele não estabelece nenhum vínculo afetivo duradouro. O protagonista do novo filme dos irmãos Joel e Ethan Coen é, em suma, um anti-herói que vive impregnado pela melancolia que as suas próprias canções exalam.

Saltando de casa em casa e tentando voltar a ganhar dinheiro com a sua música depois de ter uma parceria interrompida, o protagonista busca antes de tudo a sobrevivência diária. O roteiro vai revelando aos poucos detalhes sobre a sua vida, mas aos Coen o que mais interessa é pontuar a rotina de pequenos fracassos do personagem em meio a um ambiente hostil.

A Nova York dos anos 60 torna-se um elemento importante para a narrativa ao ser fotografada por Bruno Delbonnel com cores lavadas que transmitem a frieza do local (e de seus habitantes). É interessante notar também a composição dos corredores estreitos pelos quais Llewyn circula ao longo do filme, que sugerem simbolicamente a opressão exercida sobre ele pelo mundo que habita.

As dificuldades que enfrenta, porém, não contribuem para uma idealização do protagonista. Llewyn é um homem orgulhoso que atribui a si mesmo um ar de superioridade que não cai bem para alguém na situação financeira e emocional em que se encontra. A sua relação conturbada com a ex-namorada Jean (Carey Mulligan) é um exemplo da frieza do protagonista, mas os defeitos acabam por enriquecer um personagem que conquista mesmo os espectadores através da beleza de sua música e de suas tentativas recorrentes de torná-la reconhecida.

Através da odisseia particular e desglamorizada de um protagonista que, ao contrário do Ulisses de Homero e do gato de uma família amiga, não tem para onde voltar, os Coen discutem as noções de sucesso e fracasso que permeiam nossas vidas e que, além de estarem submetidas invariavelmente ao acaso, são bem mais subjetivas do que parecem. Afinal de contas, um sucesso costuma ser precedido por muitos fracassos.

Nota: 8,0/10

*Texto originalmente publicado no site Cine Festivais durante a cobertura da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Crítica: Philomena

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Em Philomena, novo filme de Stephen Frears, a protagonista homônima vivida por Judi Dench é uma senhora irlandesa que, décadas após ter seu filho vendido para adoção por um convento, ganha a ajuda de um conhecido jornalista para descobrir o paradeiro do rapaz. A pesada premissa, baseada em fatos reais, pode enganar quem espera por uma obra excessivamente melodramática, já que, surpreendentemente, o que predomina é um tom leve e bem-humorado que apenas eventualmente dá lugar à seriedade inerente ao tema.

Uma explicação para esse fato pode estar na maneira com que Dench interpreta a protagonista. Acostumada com personagens fortes e poderosas, como a M da franquia 007, a atriz inglesa faz de Philomena uma mulher simples, ingênua e pouco culta que conquista o espectador pelo carisma e pela vivacidade. O contraste e as mudanças geradas pelo encontro dela com o racional, intelectual e introvertido jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan) são o centro do filme de Frears, que demonstra maior interesse pelos traços humanos e pela evolução dos personagens do que pelas questões históricas, políticas e religiosas levantadas pela trama.

Antes de a dinâmica entre os dois personagens principais se impor, o roteiro tropeça ao apresentar de maneira apressada e pouco inventiva tanto Philomena quanto Martin. O sofrimento de décadas da protagonista e a sua luta silenciosa para localizar o filho são minimizadas pela escolha do diretor de não mostrar a conversa em que ela revela o assunto para a filha; pior ainda é o modo tolo e expositivo encontrado para demonstrar a razão para Martin aceitar investigar e escrever um livro sobre aquela história, o que resulta na fala mais constrangedora do filme (“Você acha que eu devo escrever histórias de interesse humano?”).

É verdade que, mesmo em sua principal reviravolta (“Quero saber se ele pensava em mim”), o roteiro soa previsível, mas o filme mostra a que veio principalmente quando o afiado humor inglês vem à tona. A reiteração de piadas como Oxbridge, as longas falas de Philomena sobre livros (“É como se eu já tivesse lido”) e os clichês (“um em um milhão”) usados como forma de sociabilidade são engraçados e, ao mesmo tempo, colocam o espectador no lugar de Sixsmith: primeiramente rimos dos modos simples de Philomena, mas aos poucos somos levados a questionar nossos preconceitos e a admirar a maneira como ela encara a vida.

O filme revela, então, uma despretensão parecida com a da protagonista: embora envolvido com questões macro, como os atos imorais da Igreja Católica, ele prefere destacar o micro, o papel fundamental do indivíduo longe da influência das instituições. Não à toa, Philomena segue muito mais os preceitos de compaixão e misericórdia de sua religião do que as líderes do convento.

Entre o riso e o choro, o filme de Stephen Frears opta pelo primeiro, e tem na interpretação sensível de Dench a personificação perfeita desse humanismo proposto pelo diretor.

Nota: 6,5/10

*Texto originalmente publicado no site Cine Festivais

Crítica: Quando Eu Era Vivo

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Em Trabalhar Cansa, seu primeiro longa-metragem (dirigido em parceria com Juliana Rojas), Marco Dutra já havia realizado um diálogo com o terror ao tratar dos efeitos das desumanas relações de trabalho contemporâneas, que atingiam o auge dramático na memorável sequência final. Em sua nova obra, Quando Eu Era Vivo (agora em trabalho solo), o gênero exerce importância central, o que a torna um exemplar raro na recente filmografia brasileira.

Mais uma vez trabalhando com Dutra, o ator Marat Descartes interpreta Junior, um homem que se muda para a casa do pai (Antonio Fagundes) logo após se separar e perder o emprego. O que era para ser uma estada de apenas poucos dias se estende indefinidamente, e a obsessão do protagonista pelo passado da família borra cada vez mais os limites entre realidade e insanidade.

Da mesma maneira que em Trabalhar Cansa, o som é um elemento essencial nesse novo trabalho de Marco Dutra. É através de ruídos como o bater de uma mala e a abertura de uma porta ou de uma gaveta que o filme vai impondo o seu clima soturno. Desse modo, a aparente normalidade da situação (depressão pós-separação) é sempre acompanhada por um quê de estranhamento que, posteriormente, se justificará. Essa evocação do terror no cotidiano lembra o cinema de Kleber Mendonça Filho, notadamente o curta Vinil Verde e o consagrado longa O Som ao Redor.

O filme é construído através de uma nítida disputa de visões entre pai e filho, especialmente na relação dos dois com a memória da mulher/mãe, cuja morte nunca é explicada. Enquanto o personagem de Fagundes se afasta das lembranças e busca negar a passagem do tempo (reparem na sua obsessão pela forma física), o protagonista vivido por Marat se mostra cada vez mais obcecado pelo passado, e por isso faz de tudo para reavivar esse tempo perdido (como simboliza a retomada de trabalho de um metrônomo velho).

Essa disputa paterna é evidenciada pela fotografia de Ivo Lopes Araújo nas variações entre o amarelo presente na infância de Junior e o branco fluorescente que caracteriza o apartamento do pai. A direção de arte de Luana Demange também exerce papel fundamental ao fazer da mudança gradual da decoração do imóvel uma expressão do desarranjo interno e da constante obsessão do protagonista pela história da mãe, de quem ele passa a incorporar os hábitos e os trejeitos.

Assim como em O Iluminado, de Stanley Kubrick, ou na trilogia informal de Roman Polanski com filmes passados em apartamentos (Repulsa ao SexoO Bebê de Rosemary e O Inquilino), a locação funciona quase como um personagem que atrai o protagonista e o ajuda a entrar em uma espiral de perturbação. Para que isso funcione e se torne realmente impactante, a atuação de Marat Descartes é fundamental, transmitindo a difícil mudança pela qual o protagonista passa sem nunca apelar para o overacting.

Contando ainda com um trabalho de Antonio Fagundes que nos leva a desejar que ele opte por fazer mais aparições nas telonas, além de uma participação verossímil da cantora Sandy Leah no papel de uma estudante de música, Quando Eu Era Vivo só perde um pouco de sua força quando realiza inserções cômicas em momentos que exigiam maior tensão. Na maior parte do tempo, porém, o filme prende a atenção do espectador, conseguindo ainda surpreendê-lo em sua marcante cena derradeira.

Nota: 7,5/10

*Texto originalmente publicado no site Cine Festivais durante a cobertura da 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Crítica: Grand Central

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A viagem de trem que Gary (Tahar Rahim) faz no início de Grand Central, filme de Rebecca Zlotowski, indica uma transformação na vida do protagonista, que busca reconstruir a sua vida e deixar para trás um passado que deduzimos ser sombrio, mas sobre o qual nunca sabemos muita coisa.

A sua aproximação inicial com um homem que o furta e o desprezo com o qual sua família lhe trata são indícios de como foi a vida de Gary até aquele momento, mas o filme prefere deixar o passado nas entrelinhas e voltar o seu foco para o presente, no qual o protagonista começa a trabalhar em um posto mal remunerado em uma usina nuclear.

O salário que recebe é inversamente proporcional ao perigo que enfrenta, uma vez que todos os funcionários estão sujeitos aos riscos trazidos pela radiação. Apesar disso, há uma relação de amizade entre os trabalhadores, que se divertem após o trabalho. Gary começa a se enturmar com o grupo, e é em uma dessas ocasiões de lazer que ele conhece Karole (Léa Seydoux), esposa de um companheiro de trabalho, que se apresenta de um modo inusitado.

Esse encontro estabelece a metáfora que guiará o filme. A paixão de Gary por Karole aumenta no mesmo patamar que o seu nível de radiação. Ele idealiza ela (repare que a cor predominante do figurino usado pela mulher é o branco, que passa uma ideia de pureza) e não consegue perceber que a relação entre eles é sobretudo carnal e selvagem, como indica o local em que costumam se encontrar.

Mesmo se tornando repetitivo e perdendo força em sua parte final, o filme consegue ser um bom estudo de personagem sobre um homem solitário que vê a sua chance de estabelecer um laço afetivo real com alguém ser minada por algo que, assim como a radiação, tem um efeito invisível e devastador: um amor não correspondido.

Nota: 7,0/10

*Texto originalmente publicado no site Cine Festivais durante cobertura da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Crítica: O Lobo de Wall Street

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Em seu subestimado O Rei da Comédia, filme de 1982, Martin Scorsese fez de Rupert Pupkin (Robert De Niro) um personagem que, obcecado pela fama, tinha a busca pela notoriedade como o seu único objetivo de vida. Passados mais de 30 anos, e contando com a ajuda de seu novo ator-fetiche (Leonardo DiCaprio), o diretor apresenta em O Lobo de Wall Street uma história que tem como eixo um tema que caminha lado a lado com a exaltação de celebridades que nada tem a oferecer além dessa alcunha: a procura desenfreada pelo dinheiro, que nesse universo tem um fim em si mesmo.

Inspirado em fatos reais, o novo filme de Scorsese é protagonizado por Jordan Belfort (DiCaprio), um personagem que está situado em um polo oposto do de Rupert Pupkin diante de um mesmo mundo desajustado e em crise de valores. Enquanto Pupkin é um outsider que tenta de alguma maneira se sentir como parte desse “show”, Belfort é aquele que comanda o espetáculo, ostentando e torrando os milhões de dólares provenientes de transações quase sempre ilegais e/ou imorais que executa em Wall Street. Tais diferenças não escondem o fato de que o empresário bem-sucedido e admirado pela sociedade (assim como o era Eike Batista há pouco tempo) é, essencialmente, um ser humano tão patético e vazio quanto o aspirante a comediante interpretado por De Niro.

Com o protagonista surgindo como narrador de sua própria história e se dirigindo diretamente ao público, acompanhamos sua trajetória desde a chegada a Wall Street – quando ele ainda almejava fazer um trabalho moralmente aceitável -, passando pela demissão após uma grave crise econômica e por sua reinvenção em uma corretora de segundo escalão cujo sucesso contribuiu para a própria ascensão meteórica como dono de seu negócio. Os rios de dinheiro conseguidos através da venda de ações sabidamente deficitárias a longo prazo são, claro, gastos sem nenhum tipo de pudor, financiando festas, bebidas, prostitutas, anões voadores, drogas e qualquer outro caminho possível para o prazer fugaz.

A riqueza só faz sentido naquele universo quando mostrada e invejada, como se vê na cena em que o personagem de Jonah Hill conhece o protagonista. Supõe-se que uma pessoa normal, quando perguntada por um estranho sobre a sua remuneração mensal, simplesmente diga que aquele é um assunto pessoal, mas Jordan Belfort tem orgulho de dizer o valor e até comprová-lo com um documento, embora fique claro que ele acha que merece muito mais que aquilo – noção que, por si só, já resume a ganância excessiva e cíclica desse ambiente.

Desse modo, a narração despudorada e bem-humorada de Jordan, que, mesmo sabendo tudo o que aconteceu, passa longe de demonstrar algum tipo de remorso, surge como um modo orgânico de apresentar um universo que se baseia na representação (construção de uma imagem de sucesso) e na falta de limites (as engrenagens do sistema se alimentam continuamente da insatisfação com o presente). Do mesmo modo, o uso recorrente do humor cai como uma luva para a filmagem de situações tão absurdas.

Há influência de muitos dos filmes anteriores de Scorsese em O Lobo de Wall Street: o senso de pertencimento a um grupo, a criminalidade descontrolada e a estética de Os Bons Companheiros e Cassino; o humor negro e nonsense de Depois de Horas; a perda gradual de controle e a megalomania do protagonista de O Aviador; além da já citada aproximação com O Rei da Comédia. São referências que engrandecem e passam longe de eclipsar as especificidades desse novo trabalho.

Scorsese faz um filme incomum para alguém com 71 anos, demonstrando vitalidade e coragem para lidar com um tema naturalmente explosivo sem as amarras do moralismo. Adotando o excesso como algo inerente à linguagem do filme, o diretor demonstra seu talento narrativo habitual através de recursos já consagrados, como seus famosos travellings, o “congelamento” de cenas e a narração irônica e complementar às imagens, conseguindo ainda retratar a alucinada mente dos personagens em passagens que ilustram essa subjetividade.

Nesse aspecto, a sequência em que o protagonista sofre os efeitos retardados de uma droga pesada que ingeriu se junta a outros grandes momentos da carreira de Scorsese, e ainda faz uma homenagem ao clássico Interlúdio, de Alfred Hitchcock (a diferença é que, enquanto Hitch mandou construir uma escadaria maior com o intuito de prolongar o suspense, Marty transmite o estado mental de Jordan através do número de degraus vistos por ele).

É verdade que o sucesso do filme também está muito relacionado à montagem sempre competente e criativa de Thelma Schoonmaker, ao roteiro inspirado de Terence Winter e ao elenco homogeneamente talentoso, mas quem merece uma exaltação à parte é Leonardo DiCaprio. Trabalhando com um diretor que, certamente, é um dos responsáveis pela sua consolidação como grande ator, DiCaprio tem aqui a melhor atuação da carreira.

Como Jordan Belfort, ele alterna com grande talento entre os registros cômico e dramático. Basta citar três momentos distintos para notar essa versatilidade: qualquer um dos discursos quase hipnóticos para os funcionários, a conversa cheia de entrelinhas com o agente do FBI e a excepcional cena da paralisia facial.

Naturalmente, haverá pessoas, como já ocorreu nos EUA, alegando que o filme defende e glamoriza as atitudes de seus personagens, acusação que foi feita a outros filmes de Scorsese, como Taxi Driver, e vira e mexe é apontada a filmes tão distintos quanto Clube da Luta e Tropa de Elite. Acontece que, além da narração em off, há uma série de outros elementos que refutam essa tese, sendo o principal deles a necessidade de um senso crítico do espectador.

O filme aponta explicitamente essa distorção de valores quando mostra que uma reportagem com teor crítico sobre as extravagâncias de Belfort acaba sendo recebida majoritariamente bem pelos leitores, que o transformam em uma nova celebridade. Até mesmo o apelido Lobo de Wall Street, que foi atribuído de modo depreciativo pela jornalista, acaba sendo adotado pelo público e pelo personagem como algo positivo, evidenciando a ambiguidade moral que o filme quer tratar.

Também fica difícil – ou deveria ser – admirar personagens retratados de maneira tão animalizada, algo que a hilária participação de Matthew McConaughey – fazendo um chefe que vê em Jordan os atributos para alcançar o sucesso em Wall Street – ilustra perfeitamente, seja através da música proveniente de uma batida no peito que o assemelha a um primata ou pelos conselhos para que o protagonista se drogue e se masturbe o maior número de vezes que puder durante o trabalho, algo que vai contra aquilo que justamente deveria ser o diferencial do ser humano: a racionalidade.

Jordan reconhece em uma das suas falas que, para um estranho, a rotina diária de seu escritório lembraria a de um hospício. Tenho para mim, porém, que aquele ambiente seria melhor definido como um zoológico no qual seus participantes jamais terão autocrítica suficiente para gritarem que não são animais, como fez Jake LaMotta na antológica cena de Touro Indomável.

Se você realmente se identifica com esse tipo de gente e acha que o filme os valoriza e defende, devo alertá-lo que o problema está nas suas convicções, não no filme. Aliás, essa falta de norte moral é, como já citei, uma das questões mais importantes de O Lobo de Wall Street. O movimento de câmera final só ressalta esse aspecto, situando o protagonista não como exceção, e sim como um triste produto de uma sociedade que tem membros que, se tivessem a oportunidade e a esperteza de Jordan, optariam por trilhar um caminho semelhante.

Nota: 9,0/10 

*Texto originalmente publicado no site Cine Festivais.

Crítica: Ninfomaníaca – Volume I

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Planejado pelo diretor como um longa-metragem de 5 horas e meia, o novo filme do dinamarquês Lars Von Trier acabou sendo remontado por seu estúdio, que preferiu lançá-lo em duas partes de cerca de duas horas e amenizou o teor das cenas de sexo. A intenção inicial de Von Trier é importante para relativizar o lançamento de Ninfomaníaca – Volume I, metade inicial que chega agora aos cinemas brasileiros e claramente carece de seu complemento para receber uma análise menos superficial e mais justa (a distribuidora Califórnia Filmes promete lançar a segunda parte em março, e o volume inicial da versão do diretor será exibido pela primeira vez no próximo Festival de Berlim).

A protagonista Joe (Charlotte Gainsbourg) começa essa primeira parte jogada em um beco e é encontrada pelo experiente Seligman (Stellan Skarsgard), que se oferece para tratá-la em sua casa. Ferida interna e externamente, cheia de remorso e afirmando ser uma pessoa má, a mulher é questionada pelo anfitrião, que duvida de sua fala. Começa então a dinâmica que conduz o filme: Joe relembra a sua história, que acompanhamos em flashbacks, e Seligman, quase como um psicólogo, tenta relativizar e racionalizar as situações, questionando as convicções autodestrutivas de sua hóspede.

Quem espera, influenciado pela campanha midiática do filme, uma obra com cenas sexuais marcantes e polêmicas, deve se decepcionar. Há, sim, diversas passagens do tipo, mas, talvez pelos cortes do estúdio e pelo viés analítico adotado pelo diretor, o que prevalece é o lado mecânico do sexo. É um filme brochante nesse sentido, mas nem por isso desinteressante. A nítida impressão é de que a discussão sexual fica em segundo plano, de modo que o que prevalece é o conflito entre a irracionalidade do corpo e a racionalidade da Ciência.

A descoberta da sexualidade de Joe – interpretada na adolescência e no início da fase adulta pela bela e inexpressiva Stacy Martin, que se encaixa perfeitamente no papel – é mostrada desde quando ela era criança, passando pela perda da virgindade e por uma disputa dentro de um trem que serviu como ponto de partida para sua voracidade sexual cada vez maior. Adepta de uma postura anti-amor (simbolizada pelo hilário lema “Mea Máxima Vulva”), a personagem racionaliza suas relações a tal ponto que decide como tratar os seus parceiros sexuais através do lançamento de um dado. Tal excesso jamais é suficiente para saciar o seu prazer, criando um vazio emocional constante que ela finalmente acredita poder curar depois que reencontra Jerôme (Shia LaBeouf), um antigo conhecido.

Surgindo como uma espécie de alter ego de Von Trier – quem conhece a polêmica que o diretor se envolveu durante o Festival de Cannes de 2011 entenderá melhor um comentário sobre a diferença entre antissionismo e antissemitismo –, Seligman busca metáforas inusitadas, relacionando pescaria, matemática e música aos tumultuados eventos da vida de Joe.

Cria-se então um distanciamento que, apesar da sisudez teatral dos diálogos iniciais, é gerado pelo peculiar senso de humor do cineasta, que aparece tanto em algumas tiradas de Seligman quanto em uma hilária e nonsense aparição de Uma Thurman. Há também inserções de números, gráficos e outros recursos que poderiam servir para provocar o olhar e a reflexão do espectador, mas que em excesso se tornam apenas um capricho desnecessário e tolo de um diretor que parece não levar a sério nenhum dos temas que trata, se interessando muito mais pelas possibilidades narrativas que a história oferece.

Desse modo, o que fica dessa primeira parte do filme é o levantamento de uma discussão cinematograficamente interessante (a complementaridade paradoxal entre o vazio e a racionalidade plena) que tem potencial para ser melhor desenvolvida na metade final da obra. Aguardemos, então, o próximo capítulo.

Nota: 7,0/10